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Conversa realizada através de e-mails, em outubro e novembro de 2019, entre Simone Landal e André Rigatti para a exposição individual do artista na Galeria Ybakatu em Curitiba, PR, Brasil.

 

S.L. Bom dia André!

Tudo bem?

Para re-começar nossas conversas... Os trabalhos que serão expostos na Ybakatu no final de novembro dialogam bastante com a série de gravuras que você produziu entre 2008 e 2010. Como é revisitar esta série?

 

A.R. Ola Simone tudo bem e você?

Sim, os trabalhos que serão apresentados na Ybakatu partem de duas sé- ries de pinturas que desenvolvi nos últimos meses durante as investigações do doutoramento. São pensamentos que buscam hibridizar pintura e gra- vura. O início desta reflexão se deu aproximadamente em 2012, quando es- tava a buscar formas de problematização dos estratos da pintura. E neste momento, em que pensava nestas questões, as matrizes de serigrafia que utilizei na fase final de produção das gravuras de 2010, (que foram apresen- tadas no Museu Victor Meirelles) começaram a me intrigar. E desta suposta provocação iniciei uma série de experiências de impressão com tinta óleo e acrílica sobre pinturas em processo, entretanto, diferenças próprias da pintu- ra me fizeram descobrir um método distinto daquele das gravuras de 2010.

 

S.L. A palavra estratos, que vc citou, me intrigou... é familiar, mas pensei na amplitude de seu significado...

Do dicionário:

“se refere a uma faixa, uma camada: camada da pele, camada de um terre- no sedimentar, camada social, camada populacional, ... Significa também um conjunto de nuvens baixas, em formato de camadas horizontais uniformes e acinzentadas.”

Parece que essas ideias fazem muito sentido em relação ao seu trabalho - camadas de tinta, de técnicas, de significados, de tempo. Você cita a descoberta de um método, diferente do usado na produção de 2010... pode falar um pouco mais sobre ele?

 

A.R. Quando penso em estratos na pintura, e me utilizo desta palavra, estou realmente interessado no processo de acumulação de camadas. E pensar esta acumulação ou sobreposição significa criar tanto um terreno, quanto um cor- po. Pois, pintar, significa para mim atualmente, conceber uma imagem que tenciona tanto sua possibilidade de ser um possível espaço, quanto um possível corpo. São imagens que mostram seu estado em crise. Pois, inicialmente surgem como espaços transformados em lugares e, a posteriori, transformam sua condição de espaço ou de lugar e passam a ser também um corpo que necessita habitar não mais o espaço representado mas o espaço do mundo. Assim, estratos significam aguçar uma ideia de terreno que é formado por di- versos sedimentos quando penso numa ideia de espaço, mas também corpo, quando formado pela estratificação da pele por exemplo, com a existência de uma epiderme, derme, hipoderme e também os outros tantos estratos que cada uma dessas camadas pode possuir até se atingir a dita carne da pintura. O trabalho com a pintura sempre esteve em meu processo de trabalho, e entre tantas experimentações a gravura se fez presente. Quando comecei a trabalhar a gravura através da técnica da serigrafia, tinha como objetivo desenvolver um trabalho que fosse calculado, milimetrado e muito preciso. A impressão tinha que ser perfeita, estar exatamente dentro dos encaixes, com limpeza, leveza e objetividade. Uma busca um tanto diferente de meu pro- cesso em pintura, que sempre foi mais intuitivo e livre para se resolver entre experimentações e contaminações de um fazer um pouco mais caótico. Apesar de nunca tratar as matrizes enquanto um veículo que me levavam a criação de múltiplos, pois sempre criei imagens que de certa forma eram impressas uma única vez, me motivei num certo rigor típico da gravura.

E este processo tinha muita proximidade com a pintura, tanto, que às vezes eram lidos mais como pintura do que como gravura. Entre idas e vindas, retornei a pin- tura a óleo, buscando compreender esses estratos ou camadas. Ampliei as escalas das telas e comecei a tentar criar mais complexidade entre as camadas. Pois a fun- ção de cada uma delas na pintura era velar ou esconder a anterior, e revelar apenas em uma parte ou uma pequena amostra do que tinha acontecido antes. Busquei por criar acontecimentos entre as camadas, com a inclusão de pequenas imagens aleatórias, gestos marcados com pinceladas, entre outras ações. As matrizes de gravura estavam sempre por perto, eram muitas, e surgiram enquanto uma possibilidade de problematizar esta pintura enquanto pele, enquanto carne. Ao mesmo tempo me trouxeram uma série de novos problemas, como a ligação entre o linear e o pictórico, o gestual e o mecânico, o orgânico e o artificial, a abstração e a paisagem, etc... me aproximando de um problema entre elementos opostos e díspares e processos híbridos de criação da imagem. Não mais como gravura as matrizes era aplicadas enquanto ferramentas pictóricas, considerando erros, borrões, respingos, acertos e desacertos, próprios da pintura e distantes da gravura por assim dizer. Hoje me interessa pensar a pintura, considerando seu possível estado de ser espaço e corpo ao mesmo tempo, como uma imagem que demonstra seu estado de crise entre tantas imagens digitais que contaminam nosso dia a dia, situá-la num lugar de dúvida e de incerteza.

 

S.L. Bom ler suas palavras... em especial porque elas não tem objetivo de explicar trabalhos, mas funcionam aqui em uma relação de complementaridade com a ima- gem, a história da arte, as teorias da arte, as reflexões, as críticas de arte... a palavra como um elemento que articula a formação. A pesquisa em poéticas como prova de que a dicotomia entre teoria e prática, imagens e palavras não se sustenta. Como é ser um artista, pesquisador e professor? Como o doutorado em poéticas visuais está acrescentando e articulando mais camadas em sua produção?

 

A.R. Pois, de fato, quando escrevo sobre o trabalho, nunca o é numa tentativa de explicar algo. A escrita é uma possibilidade de corporificar elementos conceituais que impulsionam a produção através de uma outra linguagem. São partes do trabalho que aprofundam sua posição reflexiva. Pois a arte surge de indagações, interconexões e de dúvidas. E neste caso, quando se intenciona criar algo, o artista se vê imerso num mar de múltiplas possibilidades, pode flutuar, nadar ou se afogar. A pesquisa em arte é se colocar no meio deste oceano, sem bote salva-vidas e sem bússola. A escrita como ilustração do trabalho não é de interesse do artista. Ela tem de ser parte do trabalho, um desdobramento da obra. Entretanto, escrever faz o artista tensionar pensamentos e caminhos seguidos em obra de forma mais racional, e de fato, conectar o mundo que o circunda com o que faz e pensa. Muitas soluções necessárias para a resolução do trabalho são encontradas no exercício da escrita e vice versa. O artista sempre produz um texto em sua mente, antes, durante e após o processo de criação. Em muitos casos, este texto permanece no plano das ideias, num lugar abstrato. Em outros, se materializa mesmo em textos livres, ou acadêmicos, ou em diários, ou em gravações de voz, ou em conversas, etc... A pesquisa em poéticas visuais tem seu lugar na universidade, onde o texto do artista é visto como parte da obra. E este texto conecta o trabalho com as teorias e conceitos que o movem a produzir. É compreendido como um dos elementos que ascendem a investigação, e conectam todas as relações conceituais do mundo e da vida com o fazer da arte. O texto nasce do interior da produção e caminha junto com ela. Não está antes nem depois, mas durante. Acredito que a dicotomia ( no sentido de ser uma falácia) entre palavras e imagens se sustenta quando a escrita surge no sentido de explicar ou de ilustrar algo, pois nesta via diminui o processo. O artista não escreve, ou não deveria escrever, como o historiador, ou como o crítico por exemplo. Para fazer sentido e romper esta dicotomia que há muitos anos se debate, o artista deve sempre considerar que enquanto escreve, está a fazer um desdobramento de seu processo criativo, está escrevendo sobre algo que está em processo, que não existe ainda, que está criando. Pois, está a escrever sem saber como tudo vai terminar. O historiador ou o crítico, por outro lado, (salvo engano), escrevem sobre algo definido, pronto e muitas vezes já validado pelos sistemas. Numa tentativa de aproximar o leitor da obra, talvez até de esmiuçar elementos e explicar contextos. O artista com seu texto não tenta se aproximar de um público, não esmiúça detalhes invisíveis nem explica qualquer coisa. O texto para o artista é parte da obra. Mas ainda assim, a obra se sustenta sem que esse texto apareça. Ele aparece na ação, na proposição, na imagem, na forma, etc… Desenvolver uma investigação em arte na universidade é muito enriquecedor. Neste lugar que durante tanto tempo se sustentou a posição de que era im- possível ao artista pensar sua própria obra, pois não haveria distanciamento, não haveriam critérios de validação de uma auto-pesquisa, entre tantas outras questões que, ainda bem, caíram por terra. Pois já há a muitos anos, no Brasil e no mundo, diversos artistas que desenvolveram esse trabalho com maestria, ancorados por redes de reflexão sobre o tema, que ajudaram a romper com sistemas metodológicos definidos, abrindo espaço para que proposições artísticas sejam também investigações acadêmicas. Hoje, cursando o doutoramento em Artes Plásticas na Universidade do Porto, (mas também na graduação e no mestrado) percebi o quanto este exercício de investigação da própria obra é impulsionador do processo criativo. E quanto o trabalho se desenvolve e se nutre de inúmeras relações que se seguem. É criar e organizar o caminho, é ter liberdade de recriar as próprias ideias, é finalizar e voltar ao começo, é navegar sem saber onde se vai chegar , pois o que importa não é saber onde nem quando, mas sim, que não se desistiu ainda de tentar.

 

S.L. Bacana, parece estar pronto…

 

A.R. Lembra da frase que te enviei na primeira mensagem? “já cheguei no fim recomecei e aqui estou eu...”

Então, acho que este será o título da exposição. Pois traz algumas reflexões que me acompanham há algum tempo.

Considero esta frase, porque, ela remete diretamente aos caminhos percorri- dos durante a pesquisa em arte, em que não se vislumbra um fim, pois o que se percebe, é talvez, um estado cíclico de sempre estar recomeçando.

Acho que existe muita relação com o momento que estou a viver agora, pensar a pintura num estado totalmente diferente, (quando analiso meu processo) mas que está totalmente ligada com as gravuras por exemplo, considerando que são bem anteriores.

Quando achei que as gravuras haviam chegado ao fim, e tinha então me volta- do a um novo começo, esse processo retorna. E percebo que meu trajeto tem muito disso mesmo, ir e vir, partir e voltar, virar do avesso, recuperar memórias sem um projeto definido... o fim é o começo, quase como num propósito em que sentir é tudo ou nada.

O que acha?

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Conversation held by e-mails in October and November 2019, between Simone Landal and André Rigatti for the artist's solo exhibition at the Ybakatu Gallery in Curitiba, PR, Brazil.

 

S.L. Good morning André!

How are you?

To start our conversations ... The works that will be exhibited at Ybakatu in late November are very much in dialogue with the series of prints you produced between 2008 and 2010. What is it like to revisit this series?

 

A.R. Hello Simone, how are you?

Yes, the works that will be presented at Ybakatu come from two series of paintings that I developed in recent months during the doctoral research. These are thoughts that seek to hybridize painting and engraving. This reflection began approximately in 2012, when I was looking for ways of problematizing the strata of painting. And at this point, as I was thinking about these issues, the screen-printing matrices I used in the final stage of the 2010 printmaking (which were presented at the Victor Meirelles Museum) began to intrigue me. And from this supposed provocation I began a series of oil-and-acrylic printing experiments on paintings in process, but differences from the painting made me discover a different method from that of the 2010 prints.

 

S.L. The word strata, which you quoted, puzzled me ... is familiar, but I thought of the breadth of its meaning ...

From the dictionary:

“It refers to a strip, a layer: layer of skin, layer of sedimentary terrain, social layer, population layer... It also means a set of low clouds in the shape of uniform grayish horizontal layers.”

It seems that these ideas make a lot of sense about your work - layers of paint, techniques, meanings, time. You cite finding a method, different from the one used in 2010 production ... can you talk a little more about it?

 

A.R. When I think of strata in painting, and use this word, I am really interested in the process of layer accumulation. And to think of this accumulation or overlap means to create both a terrain and a body. For painting means for me today to conceive of an image that intends both its possibility of being a possible space and a possible body. These are images that show your state in crisis. For, initially they appear as spaces transformed into places and, a posteriori, transform their condition of space or place and also become a body that needs to inhabit no longer the represented space but the space of the world. Thus, strata means sharpening an idea of ​​terrain that is formed by various sediments when I think of an idea of ​​space, but also body, when formed by stratification of the skin, for example, with the existence of an epidermis, dermis, hypodermis and also as many strata that each of these layers can have until reaching the said flesh of the painting. The work with painting has always been in my work process, and among so many experiments engraving was present. When I began to work with the technique of screen printing, I aimed to develop a work that was calculated, millimetered and very accurate. The impression had to be perfect, to be exactly in the sockets, clean, light and objectivity. A somewhat different pursuit of my painting process, which has always been more intuitive and free to resolve between experimentation and contamination in a slightly more chaotic way. Although I never treated the matrices as a vehicle that led me to the creation of multiples, because I always created images that somehow were printed only once, I was motivated by a certain rigor typical of engraving.

And this process was very close to painting, so much so that sometimes it was read more as painting than as engraving. Between comings and goings, I returned to oil painting, seeking to understand these strata or layers. I scaled up the screens and started trying to create more complexity between layers. For the function of each of them in the painting was to veil or hide the previous one, and to reveal only a part or a small sample of what had happened before. I sought to create events between the layers, including small random images, brush-struck gestures, and other actions. The engraving matrices were always around, were many, and emerged as a possibility to problematize this painting as skin, as flesh. At the same time they brought me a series of new problems, such as the link between the linear and the pictorial, the gestural and the mechanical, the organic and the artificial, the abstraction and the landscape, etc ... approaching a problem between elements. opposites and disparities and hybrid processes of image creation. No longer as engraving, the matrices were applied as pictorial tools, considering errors, smudges, splatters, hits and misses, typical of painting and far from engraving so to speak. Today I am interested in thinking of painting, considering its possible state of being space and body at the same time, as an image that demonstrates its state of crisis among so many digital images that contaminate our daily lives, situating it in a place of doubt and uncertainty. .

S.L. Good to read your words ... especially because they are not meant to explain works, but they work here in a complementarity relationship with image, art history, art theories, reflections, art criticism ... the word as an element that articulates the formation. Research in poetics as proof that the dichotomy between theory and practice, images and words cannot be sustained. What is it like to be an artist, researcher and teacher? How is the doctorate in visual poetics adding and articulating more layers in your production?

A.R. Indeed, when I write about work, it is never in an attempt to explain anything. Writing is a possibility to embody conceptual elements that drive production through another language. These are parts of the work that deepen your reflective position. For art arises from questions, interconnections and doubts. And in this case, when one intends to create something, the artist finds himself immersed in a sea of ​​multiple possibilities, can float, swim or drown. Art research is to stand in the middle of this ocean without a lifeboat and without a compass. Writing as an illustration of the work is not of interest to the artist. It has to be part of the work, an offshoot of the work. However, writing causes the artist to tense thoughts and paths followed in work more rationally, and in fact, to connect the world around him with what he does and thinks. Many solutions needed for work resolution are found in the exercise of writing and vice versa. The artist always produces a text in his mind before, during and after the process of creation. In many cases this text remains in the plane of ideas in an abstract place. In others, it even materializes in free or academic texts, diaries, voice recordings, or conversations, etc. Visual poetic research takes place at the university, where the artist's text is seen as part of the work. And this text connects the work with the theories and concepts that drive it to produce. It is understood as one of the elements that ascend the investigation, and connect all conceptual relations of the world and life with the making of art. The text comes from inside the production and goes with it. It is not before or after, but during. I believe that the dichotomy (in the sense of being a fallacy) between words and images is sustained when writing arises in the sense of explaining or illustrating something, because in this way the process slows down. The artist does not write, or should not write, as the historian, or as the critic for example. To make sense and break this dichotomy that has been debated for many years, the artist must always consider that as he writes, he is unfolding his creative process, writing about something that is in process, which does not yet exist, that he is creating. . Yeah, you're writing without knowing how it will end. The historian or critic, on the other hand (without mistake), writes about something definite, ready, and often validated by systems. In an attempt to bring the reader closer to the work, perhaps even to scrutinize elements and explain contexts. The artist with his text does not try to get close to an audience, does not spoil invisible details, or explain anything. The text for the artist is part of the work. But still, the work is sustained without this text appearing. It appears in action, proposition, image, form, etc. Developing an art research at the university is very enriching. In this place that for so long sustained the position that it was impossible for the artist to think about his own work, because there would be no distancing, there would be no validation criteria for a self-research, among many other issues that, thankfully, Earth. For many years now, in Brazil and around the world, several artists who developed this work with mastery, anchored by networks of reflection on the theme, which helped break with defined methodological systems, making room for artistic propositions to be also academic investigations. . Today, studying for a doctorate in Fine Arts at the University of Porto, (but also in undergraduate and master's) I realized how much this research exercise of the work itself is driving the creative process. And as the work develops and is nourished by numerous relationships that follow. It is to create and organize the path, to be free to recreate one's own ideas, to finalize and to return to the beginning, to navigate without knowing where to go, for what matters is not knowing where or when, but rather that you have not given up trying yet.

S.L. Cool, seems to be ready…

 

A.R. Remember the phrase I sent you in the first message? “I have reached the end, I have started again and here I am”

So, I think this will be the title of the exhibition. For it brings some reflections that accompany me for some time.

I consider this phrase because it refers directly to the paths taken during art research, in which no end is envisaged, because what one perceives is, perhaps, a cyclical state of always starting over.

I think there is a lot to do with the moment I am living now, thinking of painting in a totally different state (when I analyze my process) but it is totally linked with the engravings for example, considering that they are very previous.

When I thought the pictures had come to an end, and I had now turned to a new beginning, this process returns. And I realize that my journey has a lot of that, coming and going, going and going, turning inside out, retrieving memories without a definite project ... the end is the beginning, almost like a purpose where feeling is all or nothing.

What do you think?

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